Agrotechs: As startups que estão revolucionando o campo
TECNOLOGIA
Conhecidas como agrotechs, estas empresas estão mudando o jeito do produtor gerir a propriedade rural
Quem nunca ouvi a frase: “O que engorda o boi é o olho do dono”? A expressão reforça a ideia de que a presença do proprietário na fazenda é fundamental para uma boa execução de tarefas, que garante o ganho de peso e o bom cuidado com os animais. Mas o ditado pode cair em desuso, graças a uma tecnologia desenvolvida pelo administrador Danilo Leão, que criou o Bovcontrol, um dispositivo que faz o papel dos olhos do dono, garantindo que ele – mesmo distante – interaja com os funcionários e gerencie os afazeres da propriedade.
Leão é um exemplo da safra de jovens cérebros à frente das agrotechs, as startups que estão revolucionando a maneira do produtor gerir a fazenda. Estes empreendedores têm chamado à atenção de empresas como Google e recebem convites para estudar nas melhores universidades do mundo. É o caso de Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart, uma empresa que desenvolveu tecnologias voltadas ao manejo hídrico, que reduzem em até 60% a água necessária para irrigar uma lavoura, e ganhou uma bolsa de estudos da Nasa.
Eles partem do conceito de Internet das Coisas, que se refere à revolução tecnológica que conecta dispositivos eletrônicos usados no dia a dia à rede mundial de computadores. Tudo isso para dar mais agilidade e parâmetros para a tomada de decisão do agricultor. No caso de Mariana e Leão, eles pensaram suas empresas para a realidade do Brasil, onde a internet no campo é precária e não chega a todos lugares. Basta um ponto da fazenda com acesso à rede para que o usuário transfira para a empresa os dados coletados via computador, tablet ou celular.
A Agrosmart e Bovcontrol fazem parte de um segmento que está a todo vapor, as startups. O Sebrae atua no desenvolvimento destas empresas desde 2013. De lá para cá, o atendimento cresceu nove vezes, de 130 para 1,2 mil startups. Apesar da resistência dos mais velhos, as inovações ganham cada dia mais adeptos. “A nova geração está recebendo com muita facilidade as tecnologias, apostamos nela para evangelizar o restante do mercado. Foi assim com facebook e whatsapp”, diz Maikon Schiessl, coordenador do comitê Agrotech da Associação Brasileira de Startups, a ABStartups. Abaixo, a história dessas duas novatas de sucesso.
Uso racional da irrigação
A Agrosmart foi idealizada pela administradora Mariana Vasconcelos, 24 anos, e amigos no Startup Weekend 2013, competição promovida pelo Google com o objetivo de criar uma empresa num final de semana. A equipe foi a vencedora e, no ano seguinte, entrou no programa Startup-Brasil, do Governo Federal, que dá bolsas no valor de R$ 200 mil para a contratação de pesquisadores e técnicos e uma aceleração junto à Baita.
A empresa foi criada como resposta a um problema de casa. O pai de Mariana é produtor de milho no Sul de Minas Gerais, ela cresceu acompanhando os desafios e incertezas da família no momento de tomar decisão e a necessidade de estar sempre na propriedade. “A gente queria trazer flexibilidade ao agricultor de não precisar estar todo tempo no campo observando para decidir o que fazer”, diz a mineira.
A solução encontrada foi mapear a propriedade rural e colocar um pluviômetro por talhão. “Chove de diferentes maneiras na fazenda, por isso instalamos uma estação meteorológica, que mede temperatura, umidade do ar e radiação solar”, diz Mariana. Além disso, são espalhados sensores pela plantação, que medem condições climáticas, do solo e da planta. Estas informações mais as imagens de satélites ajudam a interpretar o que acontece na lavoura. “Nós combinamos tudo isso com o acompanhamento do desenvolvimento da planta e criamos um algoritmo próprio para chegar à quantidade que ela precisa de água, baseada na sua necessidade hídrica, naquilo que ela transpira e naquilo que o solo tem”, explica a empreendedora.
Com a combinação destes dados, a Agrosmart gera as recomendações de irrigação de acordo com a capacidade de equipamentos do agricultor para que ele fique dentro de uma tarifa reduzida de energia. A empresa diz a ele quanto precisa irrigar, que horas e quando deve fazê-lo. “Ao mensurar isso relacionando com a necessidade específica da planta e com o que observamos talhão a talhão, é possível reduzir em até 60% o uso de água”, diz Mariana.
O manejo de irrigação da Agrosmart varia de R$ 30 a R$ 300 por hectare ano dependendo do tamanho da cultura e dos sensores que o produtor vai escolher. A cada 15 minutos, a central atualiza os dados e envia ao cliente. “De onde o agricultor estiver, ele consegue entender o que está acontecendo e tomar uma decisão racional”, diz a administradora. Semanalmente, a Agrosmart faz um acompanhamento por telefone com o produtor para saber se ele está seguindo as recomendações, se identificou alguma doença. No final do mês, ele recebe um relatório e, na entressafra, a equipe da empresa faz uma visita técnica para checar o resultado da safra. Perto de atingir 400 mil hectares monitorados, a Agrosmart tem planos de internacionalização para o ano que vem.
Pecuária de precisão
A Bovcontrol também surgiu como solução a uma dificuldade da família de Danilo Leão, 36 anos, fundador e CEO da empresa. Seu pai tem uma fazenda dedicada à produção de leite e de touros para melhoramento genético da raça Nelore. No entanto, a família nunca morou na propriedade rural, o que dificultava a administração. “Desde pequeno passei a gostar e, intuitivamente, comecei a tomar frente dessa área. A Bovcontrol é uma resposta a dificuldades que enfrentei relacionadas a informações da atividade pecuária”, diz o empreendedor.
Formado em administração, Leão trabalhou na Computer Associates, uma empresa americana na qual teve contato com sistemas de inteligência para a tomada de decisões em negócios. Este know-how o levou a pensar na importância disso para o agronegócio brasileiro, setor que representa um terço do PIB nacional. “Percebi que isso significava um mercado importante não só no Brasil. A pecuária hoje é uma indústria de US$ 1,2 trilhão, é três vezes a indústria de hardware e software juntas, que somam US$ 400 bilhões”, diz Leão. “É um espaço enorme com poucas soluções para endereçar à gestão da informação na pecuária”, acrescenta.
Com isso em mente, em 2013 ele criou a Bovcontrol, empresa cuja ferramenta faz o inventário da fazenda e possibilita o monitoramento do estoque do rebanho, origem e destino, bem como o manejo da alimentação do gado, o controle nutricional e sanitário, identificação de vacas no cio e acasalamentos. A tecnologia também lê e incorpora dados de outros dispositivos disponíveis no mercado, como brincos, chips e balanças eletrônicas. Hoje, a Bovcontrol atua no Brasil, nos EUA, Colômbia, África e Índia. “Temos 30 mil fazendas ativas, enquanto o programa nacional de rastreabilidade, o Sisbov, tem 2.500 propriedades”, diz Leão.
Em média, o custo para usar a plataforma da Bovcontrol é de R$ 65 ao mês no plano básico. Mas o cliente pode compor sua assinatura e agregar funções como desejar. “Quando mais de uma pessoa passa a usar, ele paga R$ 10 a mais por usuário”, explica o administrador. A gama de serviços oferecidos é extensa e inclui alertas de quando a vaca está no cio. “Usamos sensores de temperatura, que identificam um padrão associado ao cio e, por celular, avisamos ao peão da fazenda que pode inseminar a vaca ou fazer a cobertura natural”, diz Leão.
Outro recurso é a gestão de tarefas. O gerente da fazenda distribui os afazeres aos funcionários, que entregam evidências do que foi feito ao terminar. “Uma cerca que foi consertada, um animal que foi curado, estes dados vão georreferenciados e o gestor pode ver onde aconteceu e quem entregou o trabalho”, explica o CEO. A empresa também cruza dados de mapas referentes à disponibilidade de capim por hectare com a número de animais na área para medir a produtividade, saber se o aproveitamento está alto ou baixo. “A função do Bovcontrol é trazer a consciência ao produtor do que ele tem e ajuda-lo a planejar os próximos investimentos”, diz.
No momento a Bovcontrol está na fase de conectar os pontos da cadeia (frigoríficos, bancos) com a base da pirâmide. A este programa de conexões com a indústria foi dado o nome de Internet das Vacas. A equipe tem usado o conceito hackathon, uma espécie de maratona de programação, para juntar os integrantes da cadeia da pecuária num evento em que eles são convidados a desenvolver seus próprios softwares usando como base a plataforma da Bovcontrol.
Fonte: Canal Agro