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RS: criadores de alta genética temem retirada da vacina contra aftosa

Postado em: 14/08/2020

Ainda que muitas entidades do agronegócio tenham divulgado seu apoio à retirada da vacina contra a febre aftosa no Rio Grande do Sul, criadores de alta genética bovina não escondem o temor com a medida. Como o Rio Grande do Sul é um celeiro nacional de raças como angus e hereford, por exemplo, cujo valor de um animal pode bater na casa de R$ 1 milhão, grandes e importantes cabanhas aumentaram o nível de preocupação com os controles de sanidade animal e fiscalização no Estado.

Ainda que exista a previsão de indenizações se houver necessidade de uso do chamado “rifle sanitário”, pecuaristas que trabalham com alta genética alegam que calcular o valor de um desses animais vivos, e do sêmen comercializado, não é uma soma simples de ser feita.

Entre as entidades que apoia, mas também deixam claro que o assunto é complexo, e ilustra esse alerta da pecuária gaúcha está Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac). Em votação feita para que a entidade tomasse oficialmente uma posição, favorável ou contrária à mudança, quatro das 19 votantes defenderam a permanência da vacina.

O apoio da maioria, porém, veio com um recado de que esse respaldo continha um “voto de confiança” ao poder público, ressalta o presidente da Febrac, Leonardo Lamachia. De forma semelhante se posicionaram os presidentes da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Gedeão Pereira, e da Associação Brasileira de Angus, Nivaldo Dzyekanski.

“Mas também vamos fiscalizar e cobrar muito do governo, para que faça seu trabalho corretamente e continuamente”, reforça Lamachia.

A Febrac, diz Lamachia, está mobilizada em diferentes frentes para tentar reduzir possíveis danos aos criadores. Uma delas é a criação de um fundo específico para indenizar perdas de alta genética de forma diferenciada do chamado gado geral. Neste caso, os valores pagos são básicos, levando em conta apenas o peso do animal _ e não características especiais de qualidade, melhoramento da raça, genética e negócios como a venda de sêmens e embriões.

Lamachia antecipa que Febrac solicitou o ingresso da entidade no Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), onde vai pleitear a criação de uma conta específica para que, no caso de uso do rifle sanitário, os animais de alta genética não sejam indenizados como gado geral. Hoje, o Fundesa conta apenas com recursos privados para essa finalidade.

 

Lamachia avalia que cobrir os elevados custos da alta genética que pode ser perdida precisaria uma fonte de custeio ainda em estudo, e que pode ser “híbrida”, com recursos privados e aportes públicos. “Mas essa é apenas uma das preocupações. Há muito receito também sobre se o Estado terá condições, na difícil situação econômica em que se encontra, de manter um sistema eficiente de controle e fiscalização sanitária em médio e longo prazo”, acrescenta Lamachia.

Ainda que elogie a rapidez com que o governo gaúcho conseguiu, até agora, implantar mudanças e reforçar o sistema _ como disponibilizar verba para compra de 72 novas camionetes para fiscalização sanitária _ a dúvida é se o poder público manterá isso adequado de forma perene.

“Neste e no próximo ano estamos tranquilos. Houve investimento em novos veículos e reforço de pessoal, temos um plano de trabalho e o projeto Sentinela (de segurança rural) indo muito bem. Mas até quando o Estado terá força para manter o serviço funcionando? É essa pergunta que muitos que votaram contra me fizeram”, explica Lamachia.

Para o criador e presidente da Associação Nacional de Criadores (ANC) Herd-Book Collares e diretor de marketing da Angus, Ignácio Tellechea, da Cabanha Rincon del Sarandy, de Uruguaiana, o cenário que vem pela frente é motivo de grade preocupação. Além das perdas diretas do produtor, Tellechea pondera que, em caso de ocorrência na Fronteira Oeste, onde estão dezenas de cabanhas, a ocorrência de um foco seria seguida de centenas de abates. Para ele, o País está colocando em risco cem anos de melhoramento e qualidade genética de diferentes raças.

“Não temos nenhuma segurança no sistema de que se vá conseguir de fato evitar um foco. Vacinar nos dava respaldo inclusive contra decisões políticas e comerciais. Quem garante que não se pode implantar um foco, de forma premeditada, para mudar o mercado? Basta ver pandemia que vivemos por causa de um vírus”, justifica Tellechea.

 

Governo gaúcho busca ampliar recursos para fundo de indenização

Em Brasília nesta quinta-feira (13), em reuniões no ministério da Agricultura, o secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul, Covatti Filho, destinou a agenda para buscar recurso da União que permitam fortalecer o Fundesa. Covatti é um entusiasta da retirada da vacina como forma de ampliar mercados de exportação para o Estado, entre outras razões.

“Temos um grupo de trabalho há dois meses sobre o assunto, para encontrar formas de fortalecer o fundo e criar a indenização por genética. Também tentamos em Brasília a criação um fundo nacional para reforçar o Fundesa em caso de uma necessidade muito atípica”, defende Covatti.

Rogério Kerber, presidente do Fundesa, que opera apenas com recursos privados, explica que já existe dentro do fundo a prerrogativa de indenização genética, que precisaria apenas ser atualizado, como demandam as entidades. Kerber diz que assim como a Febrac, a Federação das Cooperativas Agropecuárias (Fecoagro) também está solicitando ingresso no Fundesa. Com os ingressos de mais entidades e recursos, ressalta, o fundo tem condições de cumprir esse papel de proteção econômica.

“Esse pleito é justo e adequado, apenas não foi trabalhando antes porque dependia, primeiro, do posicionamento do Estado de suprimir a vacinação. Decidido isso, passa-se agora para um segundo passo. O Fundesa foi constituído exatamente com essa finalidade” resume Kerber.

Médico veterinário e especialista no tema aftosa há mais de 20 anos, José Fernando Dora avalia que ainda que existam riscos inerentes à retirada, atualmente seriam mínimos. Isso porque, segundo Dora, a doença está sob um bom nível de controle na America Latina como um todo, com um cenário estável em Santa Catarina há mais de uma década sem vacinação, e com tendência de retirada também no vizinho Uruguai.

 

“O que os criadores poderiam, e deveriam fazer, era investir em mais bancos genéticos, fora de suas propriedades, e optar por cobrir esse patrimônio com um seguro consistente”, recomenda Dora. No ar, porém, além dos receios atuais, ainda pairam os temores do rifle sanitário, que no início dos anos 2.000 traumatizou o Rio Grande do Sul com a matança e descarte de milhares de bovinos, em um episódio que ficou marcado pelas imagens registradas no município de Joia, na Região Noroeste.